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domingo, 30 de outubro de 2011

Padre Walmir defende uma Picos com esperança

Em entrevista ao Jornal de Picos, o padre José Walmir de Lima, pároco da Paróquia de São José Operário, abriu o coração e falou de sua vida desde a infância no bairro Canto da Várzea, a vocação para o sacerdócio, o trabalho de evangelização, o surgimento do Movimento #MudaPicos e a sua pré-candidatura a prefeito. Ele diz que sonha com uma Picos onde as pessoas tenham liberdade, esperança e vivam sem medo.
           


Jornal de Picos – Quem é o Padre Walmir?

Padre Walmir – Padre Walmir é um filho de Picos, nascido na cidade de Picos no Bairro Canto da Várzea, no ano de 1971, o último de nove filhos. Eu nasci e me criei no Canto da Várzea, fiz meus estudos naquela comunidade que me criei, cursei o Ensino Fundamental na Unidade Escolar Landri Sales, um colégio público. Servi ao Exército Brasileiro em 1990, um lugar que foi necessário para a minha formação humana e da personalidade. Um pouco do que eu sou veio dessa experiência, da educação e principalmente da educação que recebi dos meus pais, sempre fui um filho obediente dentro de minhas responsabilidades.

Jornal de Picos – Quando o senhor descobriu a vocação para ser Padre?

Padre Walmir –Recebi uma mensagem de que o Padre Bezerra e o Bispo D. Augusto Rocha queriam conversar comigo, e eu me perguntava “o que esse padre queria?” Porque meu envolvimento na igreja não era nada muito próximo, era do grupo e movimento de jovens, fui catequista da comunidade, monitor de crisma, mais não tinha muita intimidade com os padres nem com o Bispo. A princípio eu resisti, falei que trabalhava, tinha que me sustentar, mas o padre insistiu, e eu fiquei de dar uma resposta depois. O tempo passou e eu não dei a resposta, mesmo nas festas, e nos lugares que eu estava, pessoas me informavam que o padre esperava uma resposta, e os seminaristas me visitavam em minha residência, quando a minha namorada na época soube dessa história e acabou não gostando da idéia, claro que na hora eu neguei, até que voltei a falar com o padre, falei novamente do meu trabalho, Dom Augusto também falou comigo sobre a possibilidade de me manter para que eu ingressasse no seminário e após pensar bastante eu aceitei, na época eu trabalhava na Transportadora Expresso de Luxo de João Andrade Gomes de Lima.

Jornal de Picos – E a família e os amigos como receberam a decisão?

Padre Walmir – Falei somente a minha mãe, meu pai e minha irmã Izabel, para os outros irmãos eu não disse, até que então resolvi entrar e passar por essa experiência no seminário, eu tive vergonha de dizer para as pessoas de dizer que eu ia para o seminário e o seminário era no meu bairro, não disse que ia para o seminário e não disse para a empresa que sairia para ir ao seminário, eu informei que iria sair para entrar em outro serviço, que eu tinha arrumado outro emprego e que precisava sair. Quando foi no dia, no domingo, que era abertura, arrumei minhas coisas e saí em direção ao Centro, disse que eu ia viajar, com vergonha de descer e ir para o seminário, só que eu fiz a curva, peguei a avenida e outra rua e fui para o seminário. Quando foi à noite na missa de abertura, para minha surpresa, estava todo mundo lá, todo mundo descobriu o que estava se passando e aí fui me acostumando e realmente vi que era isso que eu queria para minha vida.

Jornal de Picos – Então não houve resistência por parte da família?

Padre Walmir – Não, minha mãe disse: “Veja o que é que você vai fazer, decida e que seja uma coisa que você realmente saiba o que você está fazendo, não tenho nada contra, mais que seja uma coisa que você pense bem no que está querendo”. Meus irmãos chegaram a questionar mais depois aceitaram a idéia.


Jornal de Picos – Teve algum momento que senhor pensou em sair do seminário?

Padre Walmir – Depois que fiz o seminário menor em Picos fui para Teresina fazer filosofia, no mesmo ano (1996), eu perdi meus pais, os dois seguidos, mesmo assim fui para Teresina e concluí filosofia, então pedi para sair do seminário, mais terminei não saindo e fiquei um ano em Picos com Padre José, auxiliando. Depois retomei a teologia em Teresina, conclui e me ordenei padre em 2004.  Passei meu estágio de diácono na cidade de Itainópolis.

Jornal de Picos – E em Itainópolis havia um trabalho social feito pelo senhor?

Padre Walmir  - Os seis meses para mim foi muito bom, foi um período de formação, foi na época das enchentes e me envolvi com as necessidades das pessoas, passava a madrugada distribuindo alimentos, roupas, colchões, na realidade minha casa servia como um ponto de apoio para a distribuição de donativos. Participei das equipes de controle, saia de madrugada, debaixo de chuva e lama, subindo morro com cestas, as pessoas dormindo, colocava debaixo das redes as cestas de roupas e mantimentos venda aquelas pessoas chorando porque estavam precisando de ajuda e naquela época a cidade estava toda inundada, eu estava lá, ajudando, trabalhando com a Defesa Civil.

Jornal de Picos – E quando o Senhor foi transferido para a Paróquia de São José Operário?

Padre Walmir – Após esses seis meses responde por Itainópolis, Vera Mendes e Aroeiras do Itaim como diácono, na época Dom Plínio chegou à Diocese de Picos e viu meu trabalho realizado como diácono, sozinho, atendendo três cidades, com tamanhos problemas sociais, admirado ele disse que era bom para mim, por ser um diácono, morando sozinho e servindo aquelas pessoas, Dom Plínio disse que só enriquecia meu currículo de vida e experiência. Terminei meu diaconato e Dom Plínio me deixou no seminário trabalhando com a formação, passei quatro anos como Reitor (2004-2008), até que fui transferido para a Paróquia de São José Operário, onde estou até hoje.

Jornal de Picos – E como foi o trabalho do senhor na coordenação da Caminhada da Paz?

Padre Walmir – Fiquei seis anos desde que me ordenei como coordenador da Caminhada da Solidariedade da Paz e também como coordenador diocesano de pastoral. Para mim a caminhada da paz, me deu um respaldo, me deu uma credibilidade junto à população pelo trabalho que executamos. Eu tinha a liberdade de coordenar, dirigir a equipe, decidindo aonde os recursos eram empregados, claro sempre junto com a equipe e com toda a confiança do Bispo (Dom Plínio) e o mesmo sabia que as pessoas também confiavam na gente, foi nesse período que a caminhada da paz ganhou credibilidade, pela maneira, pela seriedade, a gente visitava os nossos parceiros, mandava cartas de agradecimento para os parceiros, relatório com as prestações de contas era enviado para todos os apoiadores com toda a transparência mostrando o que havia sido arrecadado, gastos e aplicado. A gente sempre teve a preocupação de que os gestos concretos beneficiassem as pessoas mais necessitadas. Sou feliz por isso e dou graças a Deus. Foi muito bom esse período.

Jornal de Picos – Porque o Senhor deixou a coordenação da Caminhada?

Padre Walmir – Depois de dar minha contribuição achei por bem abrir espaço outras pessoas como uma forma de inovar e veio outro coordenador, mais mesmo não coordenando colaboro e participo da mesma forma da caminhada.

Jornal de Picos – E como tem sido o trabalho do senhor na Paróquia de São José Operário?

Padre Walmir – Estou aqui na Paróquia de São José Operário há três anos e seis meses, sinto o carinho dos fieis da comunidade que tem voltado a freqüentar a igreja. Além de parte de Picos, atendo também São José do Piauí, Sussuapara e Santana do Piauí. Tenho feito o que está ao meu alcance, não meço esforços, para atender as comunidades, para ouvir, tenho minhas limitações como pessoa, mas consciência tranqüila como sacerdote de estar fazendo aquilo que devo fazer, posso não estar agradando todo mundo, mas o que eu faço é querendo o bem das pessoas e da igreja, em nenhum momento trabalho em benefício próprio e sempre procuro trabalhar para as pessoas da minha comunidade. Sei das minhas responsabilidades de meu compromisso, é isso que me dá segurança.

Jornal de Picos – A militância social sempre esteve presente em sua vida?

Padre Walmir - Sempre tive antes de seminarista envolvimento com o trabalho social da comunidade, antes de ser padre, militei pelo PT, passava as noites colocando cartas de conscientização por baixo das portas das residências, participava de comícios e militei efetivamente em campanhas do Partido dos Trabalhadores, fui ativo enquanto jovem, eu tinha na época 15 a 18 anos naquela época. E entrei no seminário com essa mesma conduta. Quando fui estudar em Teresina, participei de movimentos como o Grito dos Excluídos, participei de movimentos de assentamentos, algumas vezes ao lado de Frei Adolfo na Vila Irmã Dulce, participei de manifestações. Como seminarista eu sempre tive um envolvimento com o social, a sensibilidade com as questões sociais, com a pobreza e contra as injustiças.

Jornal de Picos - Como surgiu o Movimento #MudaPicos?

Padre Walmir – Quando eu celebrava, vendo que alguns bairros de nossa cidade, mais especificamente o Bairro Ipueiras, mexia com minha consciência e eu refletia, como posso celebrar o evangelho adocicado e ver aquelas situações, ruas esburacadas e cheias de lamas e bairros abandonados? Eu via que aquilo exigia de mim uma decisão mais prática, mais dura, eu pensei “tenho que fazer alguma coisa”. Eu via as pessoas sofrendo e alguns bairros como Ipueiras, Morada do Sol, Cidade de Deus, Parque de Exposição, enfim o município inteiro em total abandono. E fui procurando o poder público e questionando os problemas e observando como os picoenses eram destratados, desconsiderados e ignorados e isso foi crescendo em mim a necessidade de fazer algo mais pelas pessoas. Foi então quando nos mobilizamos, nos bairros, vimos que o evangelho exigia algo mais da gente, marcamos um primeiro encontro e a igreja lotou, pessoas insatisfeitas com a situação do município, de todos os bairros chegavam pessoas e decidimos fazer uma caminhada no dia primeiro de março. Foi uma manifestação pacífica, percorrendo as ruas de nossa cidade em direção a prefeitura, foi aí que surgiu o #MudaPicos. Foi uma manifestação que me surpreendeu, por que quando espalhou-se a notícia da caminhada da manifestação, todos os bairros enviaram sua faixa, seu representante, todas as entidades sociais se juntaram a nós, foi um marco na nossa cidade, pela coragem, pela maneira tranqüila que nos portamos. Levamos as revindicações, prometeram que iam nos atender, receberam os documentos, tentavam se justificar, mais nenhum pedido das comunidades foi atendido pelo poder público municipal. O Movimento #MudaPicos continuou se reunindo, realizando seminário, palestras, enviamos 10 mil cartas e foi crescendo, tomou espaço, ganhou corpo, maior amplitude e muitas adesões.


Jornal de Picos – E quando foi cogitada uma possível candidatura do Padre Walmir ?

Padre Walmir – Nós estávamos em uma reunião e uma pessoa lançou meu nome, perguntando se eu não gostaria de ser candidato a prefeito de Picos, eu reagi naquele momento de maneira adversa, pois estávamos com outra finalidade, logo mudei a conversa, cortei o assunto, e realmente nunca havia passado pela minha cabeça, nem havia intenção nenhuma de uma candidatura. Depois aquilo que aquela pessoa falou, mexeu com a consciência de outras pessoas e em outros momentos sentia que mais pessoas vinham falar comigo sobre a candidatura, participando da construção da idéia, quando caiu na internet, nas redes sociais, foi para as ruas de modo que fui procurado e questionado “porque não?”, fui analisar a possibilidade, rezei muito, refleti os prós e contras e tomei o primeiro passo que foi a filiação no Partido dos Trabalhadores. Coloquei então meu nome a disposição da população picoense e se fosse realmente da confiança e da aceitação das pessoas, me colocava como pré-candidato a prefeito de Picos.

Jornal de Picos – Foi difícil fazer esta decisão?

Padre Walmir – Foi uma decisão difícil, por que, havia a opinião da igreja, o meu sacerdócio, mais entendo que essa é uma maneira de viver a plenitude do meu sacerdócio, e poder fazer mais pelas pessoas, e tirar a idéia das pessoas, inclusive de minha própria cabeça de que política é um lugar sujo, mais que também pode ser um lugar para ser evangelizado, para ser mudado.

Jornal de Picos – O que o senhor tem a dizer para aquelas pessoas que dizem que política não é lugar para padre?

Padre Walmir – Eu penso que o lugar onde houver um cidadão, onde houver pessoas, é lugar da igreja, é o lugar do padre. O padre deve está, sobretudo nos lugares em que precisam de pessoas que possam fazer o diferente. São nesses lugares que necessitam de pessoas que mostram um novo caminho.

Jornal de Picos – Como o senhor ver a cidade de Picos hoje?

Padre Walmir – A Picos que vejo hoje é uma cidade de grandes potenciais, uma cidade rica, que pode e tem uma capacidade muito grande de se expandir e de crescer, desenvolver, composta de pessoas de bem inteligentes e capazes. Mais vejo muitas pessoas amarradas, contidas na sua capacidade de crescer, pois não lhe oferecem oportunidade, não reconhecem os potenciais e valores, vejo uma Picos hoje explorada, abandonada, uma cidade que é aquela usada em benefícios individuais, sucateada e sem investimentos. A pessoa tem medo de reivindicar, de falar, de expor seus sentimentos. Elas não se sentem livres para escolher. Não tem investimentos voltados para a juventude, não oferece oportunidades para os jovens. As ruas não têm estrutura, falta calçamento, saneamento básico, e muitas vezes as pessoas acham que isso é normal. O nosso Rio Guaribas está poluído, hoje é um ponto de lançar dejetos, não existe tratamento de esgoto na nossa cidade e isso afeta o meio ambiente. Onde andamos encontramos filas para marcar consultas ou procurando um médico para se consultar, os postos de saúde muitos estão fechados. Profissionais da educação e da saúde mal remunerados. Vivemos uma greve na educação há pouco tempo e agora na saúde. Falta plano de cargos, carreiras e salários dos servidores. A criminalidade só aumenta e o transito caótico que mata todos os dias. Não se abriu nenhuma nova rua para escoar o trânsito da cidade. Enquanto outras cidades crescem nossa cidade permanece a mesma.  Hoje as pessoas não tem liberdade de emitir um pensamento. Picos  que tem quase 80 mil habitantes tem um comportamento e uma política de uma cidade pequena, de coronelismo.

Jornal de Picos – Qual seria a Picos ideal?

Padre Walmir - Eu sonho com uma cidade onde as pessoas tenham liberdade, com esperança e sem medo. Eu sonho com uma Picos que haja comunhão e participação das pessoas, uma cidade de oportunidades, onde os moradores tenham orgulho da cidade e  possam crescer com ela. Uma Picos onde as riquezas sejam distribuídas gerando emprego e renda. Onde nossos potenciais como o caju, mel, o comércio, a agricultura, o turismo e a indústria sejam aproveitados nos moldes da economia solidária. Eu sonho com uma cidade onde exista uma gestão participativa. Onde os investimentos sejam decididos pelo povo. Onde exista inclusão social. Onde não exista miséria e nenhuma criança pedindo nos estacionamento e cobrindo vidros de carros por uma moeda. Tudo isso é um sonho, que só depende de nos picoenses torná-lo realidade.

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